Cubano revela detalhes sobre como desertou no Brasil durante competição Imprimir
Escrito por Indicado en la materia   
Martes, 22 de Diciembre de 2015 13:58

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Quatro esportistas cubanos aproveitaram o Pan do Rio, em 2007, para desertar. Os boxeadores Guillermo Rigondeux e Erislandy Lara, que se tornaram campeões mundiais, Rafael Capote, que foi jogar handebol na Europa e Oriente Médio, e um quarto atleta, que 'desapareceu' após desertar. Localizado pelo UOL Esporte, Lazaro Lamelas conta como fez para fugir, o que o motivou, a rotina de refugiado e o que fez no Brasil nos últimos anos. Confira abaixo o depoimento:

"Desertei no dia 12 de julho de 2007. Saí da Vila Pan-Americana às 6 horas da manhã. Foi muito difícil dormir na noite anterior. Fiquei com o passaporte porque era treinador, aleguei para o chefe da delegação que era para trocar dólar por real, precisava mostrar o passaporte na casa de câmbio. Quando um membro da delegação cubana chega a outro país eles lhe tiram o passaporte.

 

Tinha um amigo, um voluntário que trabalhava nos Jogos. Conversei com ele no dia anterior [à fuga] e falei 'você pode fazer um favor?' Ele disse "posso...". Eu disse 'amanhã, às 6 horas da manhã, você pode esperar com um táxi no posto que fica perto da Vila [Pan-Americana]?' Ele olhou para mim e falou: 'Peraí, você vai desertar?' Olhei para ele e repeti 'você vai ajudar ou não?'

No dia seguinte, às 5h30 da manhã, saí em direção do ônibus. No caminho, encontrei um grupo de cubanos voltando de algum lugar e um conhecido me reconheceu, parou para conversar e perguntou: 'Lazaro, onde você está indo a essa hora e com essa mochila nas costas?' Respondi que 'ia vender charutos cubanos'.

Meu amigo disse, 'pera aí...' Suei frio, fiquei com medo. Mas ele só pediu para lembrar dele se meu comprador quisesse mais charutos. Sorri ao responder: 'Pode deixar'. Mas acelerei o passo, pois nesses grupos geralmente havia alguém apontado pelo governo para espionar.

Subi no ônibus, só havia eu de passageiro, falei, 'centro de treinamento de ginástica'. Assim que passamos em frente ao posto de gasolina, vi meu amigo com o táxi parado. Falei para o motorista, 'para, para'. Ele respondeu 'não, não posso parar'. Eles estão orientados a sair da Vila e só parar no destino. Vi meu plano caindo por terra.

Fiquei muito nervoso, falei em espanhol, 'Pára, pára,pelo amor de Deus'. Fiquei tão nervoso que ele parou, virei para ele e falei 'muito obrigado!' Ele olhou para mim sem entender. Desci, subi no táxi e peguei um ônibus para Campinas na rodoviária do Rio. Um dia antes já tinha conversado com meu amigo e havia informado: 'Olha, eu vou ficar aqui'.

Reflexão durante a deserção

Durante a viagem fui refletindo sobre a vida que estava deixando para trás. Em Cuba, fiz parte da ginástica olímpica por 30 anos. Comecei com 5 anos, cheguei à seleção com 18, participei de seis Mundiais, dois Pans, duas Olimpíadas, fui prata e bronze em Copas do Mundo. Quando me aposentei em 2004, a direção técnica me propôs ser técnico da seleção nacional. Aceitei e fui técnico até minha vinda para o Brasil para aquele Pan do Rio, em 2007.

[Desertar] é uma decisão que não acontece de um dia para o outro. Você vive em um país onde não há democracia, onde decidem o que você deve fazer, onde se você pensa diferente de alguém, é um rebelde, que não faz parte das ideias do país. Eu acho que não funciona assim.

A gota d'água foi um momento em que se permitiu que desportistas comprassem carros usados. Eram vendidos a atletas, médicos, cientistas, pessoas que viajavam e podiam justificar ter esse dinheiro. Eles estipularam que você tinha que ter US$ 4 mil em uma conta. Morava a 35 quilômetros de onde eu treinava. Era muito desgastante viajar de ônibus todos os dias, queria melhorar minha vida e a de minha família.

Daí decidiram que atletas em atividade não poderiam ter carro por causa do risco de acidentes. Quando me aposentei em 2004 fiz os trâmites de novo e me falaram 'agora não iremos mais vender carros para esportistas. Tem algumas pessoas que estão comprando e vendendo ilegalmente'. Mas não achei certo. Você tem que investigar quem são essas pessoas. Há pessoas que estão de boa fé, que continuam trabalhando para Cuba evoluir no esporte... Fiquei chateado.

O problema não foi o carro. O que eu queria era fazer o que entendia com meu dinheiro. Minha vida é minha vida. Individualmente cada um tem que fazer o que pensa que é melhor para si. Fiquei chateado porque decidiam por você. Você não tinha um momento seu. Eles falavam, 'eu decido, você vai fazer assim, assim, e assado. Pronto e acabou'. Mas, espera, e o que eu penso? Espera, e o que eu quero? Ninguém ouvia o que eu tinha a falar sobre a minha vida. A essência do problema que me fez desertar está aí.

Busca por liberdade individual

Graças a Deus também tive a oportunidade de viajar o mundo inteiro. Aí você vê que o mundo ia para uma direção e Cuba para outro. Falo de política, economia, pensamentos, liberdade. Antes de vir para o Brasil, expliquei para minha mãe: 'no futuro não quero viver mais aqui [em Cuba]'. Vi alguns campeões em modalidades esportivas ou treinadores que ficaram em Cuba, com muito conhecimento, com 60, 65 anos, e não tinham nada para comer, o estado os abandonou. Isso eu não queria para mim.

[Como técnico] Você quer ir para muitas competições com seus atletas, quer se classificar para a Olimpíada, mas só pode ir em uma [competição] porque não tem dinheiro. Claro que tem modalidades que têm mais verba. Mas você precisa competir para que o mundo conheça você e saber como funciona [o esporte].

A ginástica, a cada quatro anos, tem mudanças em seu código de pontuação. Você tem que conhecer. Chegou um momento em Cuba em que você não acompanhava mais isso. Expliquei isso para minha mãe: 'então, vou ficar no Brasil'. Tinha uma moto, vendi, e deixei metade do dinheiro com minha mãe. Vim para cá [como um dos técnicos da seleção nacional] já com a ideia de ficar.

Cuba significa a minha história. Estou no Brasil pela base que tinha em Cuba na educação, a base que o governo dá para as pessoas. Por uma família fantástica que tenho, por uma mãe e um pai fantástico. Cuba representa minhas raízes. Cuba representa a primeira parte da minha vida, até os 33 anos. Ela sempre vai ficar no meu coração.

Hoje eu estou aqui porque tive uma história lá em Cuba. Nasci em Cuba, me desenvolvi em Cuba como pessoa, esportista, profissional. Cuba representa muita coisa e sempre vai representar. Hoje eu moro no Brasil, onde já cheguei a dirigir uma seleção nacional de base, me sinto um brasileiro. Mas sem jamais esquecer de Cuba".

UOL.COM.BR

Última actualización el Miércoles, 23 de Diciembre de 2015 13:12