Venezuela se afunda na crise institucional Imprimir
Escrito por Indicado en la materia   
Sábado, 09 de Enero de 2016 15:05

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Se a Venezuela já vivia profunda crise socioeconômica, com inflação superior a 200% anual, déficit fiscal de 20% do Produto Interno Bruto (PIB), contração financeira de 6%, alto desabastecimento e índices recordes de violência, desde a última terça-feira está consolidada também a crise institucional. Motivo: com a posse do Legislativo de maioria oposicionista, o governo chavista tem de conviver, pela primeira vez em 17 anos, com um parlamento que não lhe é subserviente.

Com a esmagadora maioria opositora de 112 deputados da oposicionista Mesa da Unidade Democrática (MUD) contra 55 governistas, a nova legislatura, eleita em 6 de dezembro, tomou posse para um período de cinco anos. O clima era de tensão, em meio a gritos e acusações mútuas dentro do parlamento unicameral e com marchas de seguidores de ambas as correntes do lado de fora da Casa.

 

Nas ruas e praças de Caracas, havia centenas de pessoas reunidas pacificamente. Também havia, porém, encapuzados em motocicletas. A TV pública fazia defesa enfática do governo, definindo os deputados chavistas como "bancada da pátria". O Palácio Legislativo teve de ser cercado por um forte esquema de segurança. O presidente Nicolás Maduro, aparentando fazer uma concessão, garantia a instalação pacífica do que chamou de "parlamento burguês".

Para compensar o revés, o governo tratou de esvaziar o parlamento opositor. As medidas foram desde a criação de um legislativo paralelo (o "parlamento comunal") até a inabilitação de deputados, em recurso ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), dominado pelo chavismo. A partir dessa manobra, fez a bancada opositora baixar de 112 para 109 deputados e, com isso, perder a maioria qualificada de dois terços, passando para a de três quintos. Mais do que números, a MUD deixa de poder remover altos funcionários do governo, promover uma constituinte, aprovar leis orgânicas e remover juízes do TSJ.

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– Tendo os dois terços, a oposição poderia até encurtar o mandato do presidente ao convocar uma reforma constitucional – explica o constitucionalista Juan Rafalli, ressalvando que "a situação socioeconômica do país dentro de alguns meses será determinante" e que já prevê "grande conflitividade".

A diminuição do número de deputados não tira da oposição, porém, a competência de remover integrantes do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), destituir o vice-presidente e os ministros mediante moções de censura e bloquear as leis habilitantes, que permitem ao Executivo governar por decretos.

O presidente do instituto Datanálisis, Luis Vicente León, põe um ponto de interrogação na sua análise:

– O futuro depende da maneira como o chavismo vai superar sua derrota e, também, de como a oposição vai administrar sua maioria legislativa e as divisões internas. Lamento apenas que, enquanto isso ocorre, a crise econômica tende a se agravar.

O professor de direito administrativo José Ignacio Hernández é mais taxativo e pessimista ao prever, sem ressalvas, "crise econômica e social, e crise institucional" para 2016.

Discursos do governo e da oposição fazem a análise de León ser sombria e a de Hernández ser certeira. Maduro define estes dias como o início da luta de dois modelos, o "do povo, que quer preservar as conquistas sociais da revolução", e "o neoliberal da burguesia, que quer privatizar tudo". A oposição fala em reduzir o mandato do presidente. Além disso, planeja anistiar 75 presos políticos, entre eles o líder oposicionista Leopoldo López, condenado a quase 14 anos de prisão por "estimular a violência" em 2014, quando 43 pessoas morreram durante manifestações, a maioria abatida pela polícia.

Nicolás Maduro desafia oposição a convocar referendo para tirá-lo do poder

 

Nos primeiros dias, os sinais foram de confronto. O novo presidente do Legislativo, o oposicionista Henry Ramos Allup, determinou que fossem retirados todos os quadros com retratos de Hugo Chávez que estavam pendurados no corredor do parlamento, como se Chávez fora o imperador de um reino. Depois, na quarta-feira, deu posse aos três deputados que estavam com o mandato suspenso pela Justiça. O governo retrucou dizendo que isso tornaria inválida qualquer decisão do novo parlamento.

O sociólogo Enrique Gallardo criticou a oposição:

– A oposição já boicotou uma eleição (em 2005). Precisa cuidar para não dar discurso ao governo.

O governo define a posse aos deputados suspensos como um desrespeito ao Judiciário e uma comprovação de que a nova legislatura é "ilegal".

Referendo revogatório exigiria assinaturas de 20% do eleitorado

Allup adiantou que, se o governo resistir às reformas econômicas a serem propostas, a bancada oposicionista enveredará por uma via "democrática, constitucional, pacífica e eleitoral" para buscar uma saída antecipada do presidente – Maduro foi eleito para um mandato de seis anos, em abril de 2013, após e sob a comoção da morte de Hugo Chávez.

No meio do mandato, em abril de 2016, pode ser convocado o referendo revogatório. Para tanto, são necessárias assinaturas de 20% dos 19,5 milhões de eleitores. O presidente só sai se, no referendo, a sua retirada for aprovada por percentual maior que o obtido pelo mandatário na eleição anterior, desde que a participação seja superior a 25%. Em 2013, Maduro foi eleito com 50,75% dos votos.

O presidente já adiantou que reagirá "com mão de ferro" ao que interpreta como "planos de atacar a figura do presidente". Depois, demonstrou compreensão quanto à legitimidade da medida, mas, em um entre diversos pronunciamentos que faz corriqueiramente à TV estatal, disse:

– Que convoquem um referendo revogatório e que o povo decida.

O historiador Carlos Malamud lembra que o chavismo é fruto do consenso que derrubou a "Quarta República" venezuelana, em que os tradicionais partidos AD (de Allup) e Copei se revezavam no poder, e a corrupção provocava rejeição aos políticos.

– Tudo indica que o sistema político venezuelano saltará pelos ares – diz Malamud, com a "implosão da Quinta República, adjetivada como bolivariana".

Irônico e mordaz, Malamud diz que as poucas heranças do chavismo que restam intactas são a de mudar a direção do cavalo no escudo nacional, da esquerda para a direita, e de impor mais meia hora no fuso horário. No mais, tudo se dilui como "açúcar na aguardente".

– As conquistas do chavismo estão em rápida dissolução. Um Estado quebrado não pode seguir sustentando programas sociais – diz o historiador, que, refletindo sobre a "resistência do governo em deixar ou pelo menos compartilhar o poder", indaga:

– Que alto preço terão de pagar os venezuelanos para enfrentar essa transição?

Enfim, novo capítulo se inicia na Venezuela. A psicóloga social Mercedes Pulido o define como "processo de transição especial e confronto", porque antes não havia separação de poderes".

Resistência chavista

Deputados barrados
O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) suspendeu a vitória de quatro deputados, três deles da MUD, sob o pretexto de que houve irregularidades.

Troca de juízes
Enquanto ainda era maioria, bancada governista aposentou e substituiu 13 dos 32 juízes do TSJ por chavistas.

Parlamento paralelo
O chamado "parlamento comunal" terá liberdade para aprovar orçamentos e votar leis "a favor do povo".

Verbas amigas
Chavistas aproveitaram as últimas sessões em que tinham maioria para aprovar orçamentos generosos a aliados.

Banco Central
Um dia antes da posse legislativa, Maduro tirou do parlamento o poder de eleger os dirigentes do BC e o direito de obter informações no órgão.

Fora do ar
Também na véspera da posse, o governo desmantelou a emissora de TV do Legislativo e inviabilizou suas transmissões.

As armas da oposição
São três as alternativas da oposição para mudar os rumos da Venezuela. A preferida pela oposição é o referendo revogatório, que pode ser aplicado em abril. Mas há, também, as alternativas da emenda constitucional e da assembleia constituinte. Confira:

Referendo revogatório
Pode ser convocado por iniciativa da Assembleia após o presidente cumprir a metade de seu mandato, o que, no caso de Maduro, ocorrerá em 19 de abril. São necessárias as assinaturas equivalentes a 20% do padrão eleitoral (de 19,5 milhões), quase 4 milhões de pessoas. Para remover Maduro – eleito até 2019, mas com baixa popularidade –, exige-se o aval de um número de eleitores igual ao que o elegeu em 2013 (7.587.532), e a participação de ao menos 25% dos inscritos no registro eleitoral. O recolhimento de firmas, com as respectivas digitais, deve ser feito em três dias, e o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) – controlado pelo chavismo – tem o prazo de 15 dias para verificar sua autenticidade, e mais três meses para organizar a votação. Detalhe: a bancada oposicionista poderá designar ou remover os membros do CNE.

Reforma constitucional ou assembleia constituinte
Por esse meio, se buscaria reduzir a duração do mandato presidencial, o que também pode ser feito mediante uma emenda constitucional que envolve mudança específica da carta constitucional. Prevista para revisar parcialmente e substituir um ou vários artigos, mas sem afetar a estrutura da Constituição, a reforma pode ser promovida com o aval de dois terços dos deputados, e deve ser aprovada por referendo, cuja convocação cabe ao CNE 30 dias após sua sanção. No caso da assembleia constituinte, o parlamento pode propô-la com o aval de dois terços dos deputados. Aí, então, o CNE organizaria um referendo para definir a convocação.
O processo de eleição dos constituintes, a redação da nova Constituição e seu referendo, além da legitimação dos cargos de eleição popular, podem levar mais de um ano.

"Mudança só democrática e constitucional"

Aos 72 anos, o advogado Henry Ramos Allup, deputado pelo tradicional partido socialdemocrata Ação Democrática (AD), é o primeiro presidente não chavista na história da Assembleia Nacional Legislativa da Venezuela – instituição unicameral que, em 2000, substituiu o Congresso. Allup é presidente da AD há 15 anos e mantém virulenta oposição ao chavismo. É conhecido por saber o momento de ser provocativo e a ocasião de ser articulador. Nessa condição, assumiu a presidência do Legislativo. Leia entrevista concedida a ZH:

O senhor falou na possibilidade de mudar o governo. Mantém isso?
A mudança, em seis meses, pode ocorrer, mas sempre de forma democrática e constitucional. Só haverá mudança de forma democrática e constitucional. O mandato do presidente tem um prazo final, mas esse prazo pode ser antecipado dentro da lei. Não se muda o futuro, muda-se o presente. Precisamos mudar esta realidade de 17 anos, que tantos danos já causaram à Venezuela, de um parlamento subserviente.

Qual será a relação entre Legislativo e Executivo, em polos políticos opostos?
O governo deve aplicar as leis que o Poder Legislativo aprovar e se dedicar àquilo que tem de se dedicar, parando de estabelecer mecanismos fantasiosos e se dedicando à segurança e à tranquilidade pública. Isso me parece bastante básico. O papel do Legislativo é o de legislar, simplesmente. Mas somos um poder autônomo e não podemos aceitar agressões.

Existe possibilidade de diálogo entre governo e oposição no parlamento?
É importante dizer que não somos um contrapoder, mas também não somos um poder subordinado como era a Assembleia Nacional Legislativa até agora. O diálogo é sempre necessário, e, para termos o diálogo, precisamos de compreensão e respeito entre os poderes.

Brasil aparece como mediador natural

O Brasil aparece como personagem importante para resolver os problemas venezuelanos. O historiador Carlos Malamud cita os principais agentes internacionais que podem influir no conflito: o Brasil ("não só porque compartilha fronteiras, mas também pela liderança regional e pela presença econômica forte na Venezuela), Cuba (pela influência que mantém) e China (maior credor da Venezuela). A todos, Malamud critica por aparentemente estarem fazendo menos do que poderiam.

A comunidade internacional, porém, demonstra preocupação cada vez maior. As Nações Unidas, a União Europeia e a Organização dos Estados Americanos (OEA) já se manifestaram. E o Brasil parece ter deixado de lado o silêncio tão criticado pela oposição venezuelana. Na quinta-feira, a chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez, pediu que os diplomatas em atividade no país não se manifestem sobre deputados impugnados. Parecia se antecipar a críticas que começam a ser mais intensas.

Na terça, nota do Itamaraty pedira que todos os atores políticos "mantenham e aprimorem o diálogo e a boa convivência, que devem ser a marca por excelência das sociedades democráticas". E foi direto na crítica ao chavismo: "O governo brasileiro confia que será plenamente respeitada a vontade soberana do povo venezuelano, expressada de forma livre e democrática nas urnas". Acrescentou que devem ser "preservadas e respeitadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova Assembleia Nacional venezuelana e de seus membros, eleitos naquele pleito". E mais: "Não há lugar, na América do Sul do século 21, para soluções políticas fora da institucionalidade e do mais absoluto respeito à democracia e ao Estado de Direito."

A carta foi aprovada pelo Palácio do Planalto, justamente em resposta à tentativa chavista de impugnar a posse de deputados oposicionistas eleitos por meio de um Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) em que a maioria dos juízes foi nomeada pelo governo venezuelano e dificilmente toma decisões contrárias aos interesses de Maduro.

O governo brasileiro havia comemorado o fato de Maduro, em um primeiro momento, ter aceito e respeitado o resultado das eleições. Mas ficou perplexo e preocupado com o que se seguiu. Tratou, então, de se posicionar com mais firmeza, para repudiar as manobras jurídicas chavistas, mostrando que é contra esse tipo de atitude. O assessor internacional do Planalto, Marco Aurélio Garcia, conhecido por sua simpatia aos bolivarianos, concordou com o tom da nota elaborada pelo governo. A presidente Dilma

Rousseff tem demonstrado preocupação desde dezembro, quando Maduro começou a dar sinais de intransigência, logo após ter, aparentemente, acatado o resultado das urnas.

Dilma e Macri afinam discurso crítico ao governo de Maduro

É a segunda nota crítica do Brasil ao governo de Maduro em pouco mais de um mês. A primeira foi em 27 de novembro, quando, em texto cuidadoso, o governo de Dilma condenou, com veemência, a morte do político oposicionista venezuelano Luís Díaz, secretário-geral da AD, assassinado durante comício, e cobrou que se investigassem os fatos e se punissem os responsáveis, para que as eleições marcadas para o dia 6 de dezembro, transcorressem de forma "limpa e pacífica".

Quando o presidente argentino, Maurício Macri, anunciou que iria questionar a presença da Venezuela no Mercosul, por violar cláusulas democráticas, o Brasil foi contrário à iniciativa e manteve tom conciliador, mas apenas publicamente. Na reunião que tiveram em Brasília,

Dilma e Macri convergiram em diversos temas, que vão do econômico ao diplomático, conforme apurou ZH. Macri, que ainda não havia tomado posse, baixou o tom contra a Venezuela, e Dilma também não defendeu Maduro. Na medida em que a situação se agrava, ambos vão convergindo, também publicamente, no mesmo tom crítico.

Por: Leo Gerchmann

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ZERO HORA

Última actualización el Miércoles, 13 de Enero de 2016 13:12