Cubano deserta no Pan, fica rico e volta ao Rio "cantando o hino" do Catar Imprimir
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Miércoles, 03 de Agosto de 2016 10:47

Todos os jogadores da seleção de handebol do Catar, que desembarcou na noite desta segunda-feira no Brasil, disputarão uma Olimpíada pela primeira vez, em 2016.

Rafael Capote, Catar, Vila dos Atletas, Olimpíada, Rio 2016 (Foto: Thierry Gozzer)

Mas, para um atleta específico do time, pisar no Rio de Janeiro não é nenhuma novidade. Pelo contrário, traz muitas lembranças, de sufoco, luta, superação e esperança. Nove anos depois de desertar da delegação de Cuba durante os Jogos Pan-Americanos Rio 2007 e conseguir asilo no Brasil, o armador Rafael Capote está de volta à cidade para defender o Catar nos Jogos Olímpicos. Um sonho realizado que nem ele mesmo imaginava alcançar.


 

Foram longas 15 horas de voo. Entre o Catar e o Rio de Janeiro, Rafael Capote viajou no tempo. Além de voltar no fuso, retornou para 2007. Mais especificamente para os Jogos Pan-Americanos. Ao descer no Aeroporto do Galeão, no caminho para a Vila Olímpica, um filme passou pela sua cabeça. A poucos quilômetros da Vila Olímpica, onde a delegação catari está hospedada para os Jogos, fica a Vila Pan-Americana construída para o evento de 2007. Foi dela que o jogador de handebol, então com 19 anos, fugiu e desertou da bandeira de Cuba. Passaram-se nove anos e Capote agora veste outro manto, o do Catar. E é por ele que o jogador compete a partir do próximo domingo na Olimpíada.

Onde eu comecei a minha carreira profissional, tenho muitas lembranças daqui. Quando eu vinha no caminho (do aeroporto para a Vila dos Atletas), lembrei de onde ficava a Vila Pan-Americana. (O ônibus) passa por lá e voltaram muitas lembranças daqui. Eu morei um ano no Brasil e conheci muita gente boa que me ajudou muito. Voltar para os Jogos Olímpicos é mesmo muito interessante. Era um sonho. E nunca imaginei que poderia disputar uma Olimpíada assim, pelo Catar – contou o camisa 9 da seleção catari, em bom português.

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Capote tinha apenas 19 anos quando fugiu da Vila Pan-Americana. O objetivo era partir em busca de melhores condições de vida e vislumbrar uma carreira de maior sucesso que ele não pensava que teria se continuasse em Cuba. Numa noite chuvosa, ele superou a segurança que tentava evitar a fuga de desertores do país, saiu por debaixo de uma cerca e correu em busca de um ônibus. O destino era o estado de São Paulo, na casa do goleiro cubano Michel, que havia fugido de equipe do país em 2005, defendia o São Caetano e estava em contato com o compatriota todos os dias lhe dando as coordenadas. Capote vendeu roupas e dormiu na rua por alguns adias até ter dinheiro suficiente para pegar um táxi e seguir viagem até a casa de Michel.

Washington Nunes, handebol, Olimpíada, Rio 2016 (Foto: Matheus Tibúrcio)Washington Nunes deu a chance de Capote jogar no time de São Caetano (Foto: Matheus Tibúrcio)

Washington Nunes, então treinador do São Caetano e hoje auxiliar técnico da seleção brasileira masculina, foi surpreendido com a presença de Capote ao lado de Michel ao chegar para dar um treino no clube, ainda com o Pan do Rio em andamento. Ao tomar conhecimento da situação, Washington e amigos de Capote o ajudaram a se esconder num sítio em Itapira, no interior de São Paulo, até a poeira baixar. Mal sabia ele que estava dando as primeiras condições para o cubano vencer na vida.

- Um belo dia ele estava lá, um cara gigante. A gente ficou preocupado com a integridade dele. Levamos para o interior de São Paulo e ele ficou sendo super bem cuidado por um grupo de amigos. Hoje ele é um cara bem sucedido, vice-campeão do mundo, num lugar onde financeiramente é uma coisa fora do comum. Hoje ele tem um outro mundo econômico e se deu muito bem nessa questão toda – disse Washington.

Três meses depois de desertar da seleção cubana, Capote conseguiu o asilo oficial no Brasil e pôde defender o São Caetano. Foi um ano atuando pela equipe paulista. No período em que passou em território brasileiro, o que ele mais sentiu falta foi da família que deixou para trás em Cuba.

- A saudade... ficar tão longe da minha família.... Foi muito, muito difícil. Eu tomei essa decisão porque também depois as pessoas que ficavam perto de mim foram como minha família – afirmou o armador.

Em 2008, Capote se transferiu para Europa e atuou na Itália e na Espanha. No final de 2013, quando defendia o Ciudad de Logroño-ESP, veio o convite para jogar pelo Catar, então comandado pelo espanhol Valero Rivera, campeão mundial com a Espanha no começo daquele ano. A transferência para o El-Jaish, equipe de Doha, foi o atalho para que o plano fosse concretizado.

No ano passado, Capote foi vice-campeão mundial em Doha com a seleção catari, formada quase que inteiramente por jogadores naturalizados. Ao contratar o técnico Valero Rivera, o país tinha como estratégia montar um grande time de atletas de diferentes nacionalidades justamente para fazer bonito na competição sediada em casa.

Rafael Capote, catar X Polônia - handebol  (Foto: Agência AP )Rafael Capote em ação pelo Catar no Mundial de 2015 (Foto: Agência AP )

A imprensa internacional deu que cada jogador da seleção do Catar recebeu diversas bonificações durante o último mundial. Os prêmios por vitória seriam de 10 mil a até 100 mil euros. Também se falava que os atletas teriam direito a diversos benefícios que só os cataris de nascença têm no país, como luz, água e gasolina de graça e até posse de terras. Hoje, Capote mora num luxuoso prédio, localizado numa das regiões mais valorizadas de Doha. Bem de vida agora no Catar, o armador fica aliviado por poder enviar recursos para os familiares do país natal.

- Tenho parentes em Cuba e dá um satisfação pessoal, sim, pelo fato que eu saí e estou conseguindo ajudá-los agora. Eu saí pela minha carreira e também para ajudá-los. Então conseguir tudo isso dá um conforto de que tudo está correndo bem – admitiu.

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Capote ganhou status de ídolo no Catar. O sucesso foi tão grande que ele foi nomeado ao prêmio de melhor jogador do mundo de 2015. O dinamarquês Mikkel Hansen levou a melhor, mas o cubano garante que há motivos para comemorar.

- Todo mundo começou a me falar no Whatsapp: “olha aí, você foi nomeado lá entre os melhores jogadores”. Eu não fazia nem ideia. Para mim foi um reconhecimento, mesmo que eu não tenha recebido o prêmio – afirmou.

Capote é um dos principais jogadores da seleção do Catar que veio ao Rio para os Jogos Olímpicos. Dos 15 jogadores (14 inscritos mais um reserva) que desembarcaram na cidade, somente quatro nasceram no Catar. Além do cubano, o resto são atletas de Egito, Síria e da Europa (Bósnia, Montenegro, Croácia, França e Espanha). Diante da polêmica sobre o tema, os jogadores da equipe catari foram totalmente blindados durante o Mundial de 2015, passavam reto na zona mista após as partidas, falaram com a imprensa só quando foram obrigados (um por coletiva pós-jogo e todos antes das semifinais) e ainda assim não responderam perguntas sobre naturalização, assunto que Capote revela se sentir incomodado.

- É um incômodo só quando se fala disso para sacanear. Durante o Mundial, ficavam falando “o Catar, o Catar, o Catar” porque a gente chegou à final. Muitos times têm naturalizados, mas é porque é o Catar, que nunca chegou a ficar entre os dez do mundo. É normal para mim quando analisam sem isso – comentou o camisa 9.

Rafael Capote, Catar, Vila dos Atletas, Olimpíada, Rio 2016 (Foto: Thierry Gozzer)Comemorar uma medalha no Cristo Redentor: tudo o que Capote quer nessa Olimpíada (Foto: Thierry Gozzer)

Capote saiu do Rio de Janeiro em 2007 sem nada. Voltou nove anos depois com tudo, pelo menos na parte financeira e na carreira consolidada no Catar. De volta ao Rio, ele agora não quer sair do Brasil de mãos vazias, mas sim com uma medalha no peito e podendo comemorar com ela de braços abertos aos pés do Cristo Redentor.

- Temos capacidade. Eu sonho com isso. Sonho que uma medalha seria muito boa para nós. Mas já não somos uma surpresa. Todo mundo vai jogar contra a gente como se fosse o que somos, uma equipe grande, que conseguiu uma prata no Mundial. Ademais, ficamos num grupo difícil, então vai ser complicado, vai ser muito, muito difícil.

O Catar está no Grupo A dos Jogos Olímpicos junto com França (atual campeã mundial e atual bicampeã olímpica), Dinamarca, Croácia (bronze em Londres 2012), Argentina e Tunísia. O Brasil está no Grupo B, formado também por Polônia (bronze no Mundial de 2015), Eslovênia, Suécia (prata em Londres 2012), Alemanha (atual campeã europeia) e Egito. O torneio masculino começa no dia 7 de agosto, na Arena do Futuro, no Parque Olímpico.

Última actualización el Domingo, 07 de Agosto de 2016 13:13