‘Fidel criou um produto de marketing como se fosse Cuba’, ataca Zoé Valdés Imprimir
Escrito por Indicado en la materia   
Lunes, 28 de Noviembre de 2016 11:43

Nascida em 1959, ano em que Fidel Castro assumiu o poder, a escritora cubana Zoé Valdés, anticastrista assumida, é uma das importantes vozes de oposição ao regime de Havana. Exilada de sua ilha natal desde 1995, vive em Paris, e seus romances são reconhecidos na França e em outros países (traduzida também no Brasil). Para ela, Fidel Castro ficará para a História como um gângster e um ditador que destruiu seu país, e o desaparecimento do grande líder da Revolução Cubana não deverá alterar as diretivas do atual governo, liderado por seu irmão Raúl Castro.

 

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Qual a sua primeira reação quando soube da morte de Fidel Castro?

Estava dormindo e soou um alarme no telefone celular, de minha família dos Estados Unidos. Foram sentimentos muitos misturados. Primeiro, tive uma grande euforia, de muita alegria. E depois, imediatamente pensei em todos os mortos do castrismo, nos meus pais falecidos no exílio. Também pensei nos escritores cubanos mortos no exílio, como Reinaldo Arenas, Guillermo Cabrera Infante, Lydia Cabrera. E os pintores e músicos, como Celia Cruz, Olga Guillot, Osvaldo Farrés. Também pensei nas 12 crianças do rebocador 13 de março, que foram assassinadas pelos irmãos Castro em 1994. E pensei em uma mulher cuja única obsessão era salvar seu filho do comunismo, mas ele foi levado à força de volta para Cuba, entregue às garras de Fidel Castro. Pensei em Elizabeth Brotons, a mãe de Elián González, que morreu no meio do mar tentando salvar seu filho. E pensei nos milhares de desaparecidos cubanos mortos no oceano tentando fugir da ditadura castrista.

Qual o significado histórico de Fidel Castro para Cuba e para o mundo?

É um significado medianamente histórico, porque na História não há nada para se orgulhar de Fidel Castro. Foi um gângster que destruiu um país. Destruiu a alma e a cultura cubanas. 21% da população cubana está exilada, um dos índices mais altos já vistos no mundo. Ele assassinou um grande número de pessoas, e aprisionou outras tantas. Cometeu horrores, não sei do que se pode se orgulhar. Ele entrará nesta parte nefasta e horrenda da História em que se encontram Hitler, Stalin, Mussolini, Pinochet, todos esses ditadores.

Muitas manifestações nas redes sociais, em artigos na mídia, de políticos e de personalidades apelam a uma relativização de análise, reivindicando índices positivos nas áreas de educação e saúde em Cuba ou o fato de Fidel ter resistido às ambições americanas. Qual a sua opinião?

Eu não leio as pessoas que escrevem essas estupidezes sobre saúde, educação e a luta contra os americanos. Eliminei todos do meu Facebook e Twitter. Essa gente não me interessa, só repetem as mentiras do castrismo. Você pode citar que hospital construiu Fidel Castro nos 57 anos de revolução? Não há nenhum, todos foram construídos antes de 1959. Os milhares de médicos da revolução são escravos do castrismo, muito mal pagos. São enviados ao Brasil e a Venezuela como escravos. Conheci muitos médicos cubanos no Haiti, onde estive várias vezes após o terremoto, e que preferem ficar no Haiti do que voltar para Cuba. Mas não se diz que Cuba é um paraíso para seus médicos? E por que esses médicos preferem viver no Haiti? Os hospitais cubanos estão em um nível de degradação terrível. Doentes morrem sem ser atendidos. Basta lembrar dos 26 doentes mentais do hospital de Mazorra, que morreram de fome e de frio, há apenas alguns anos. Tudo isso está na internet. Quem não vê isso, é porque está cego ou não quer enxergar. A educação é Cuba é completamente doutrinada ideologicamente. Em Cuba se proíbem livros, escritores. O último livro de história de Cuba, escrito no país, foi de autoria de um senhor chamado Fernando Portuondo, nos anos 1950. Nos anos 1960, saiu uma nova versão, proibida pessoalmente por Fidel Castro. Todos os livros sobre a verdadeira História de Cuba são escritos no exílio. Os números sobre o analfabetismo em Cuba foram manipulados. Tudo o que fez Fidel Castro foi mentira, ele criou um produto de marketing como se ele fosse Cuba. Fidel Castro nunca compreendeu Cuba. Ele não é Cuba, não é a cultura cubana. É um burguês, filho de latifundiários, que matou Manolo Castro (líder estudantil) com um tiro certeiro, e que assumiu o poder pela força num ato de revolta. Não houve uma revolução geral em todo o país.

 

Com a sua morte, a senhora acredita que haverá algum tipo de mudança?

Nada vai mudar, porque ali estão seu irmão, mais seu filho, seu sobrinho, Alejandro Castro, e também Mariana Castro. Está tudo muito bem amarrado e organizado para que a ditadura continue. Este tirano morreu tranquilamente aos 90 anos em sua cama, rodeado pelos seus familiares, algo que não tiveram os fuzilados. É uma vergonha que ele nunca tenha sido julgado, que a ONU e outras organizações internacionais não tenham recorrido à Justiça para julgá-lo. Em vez disso, é elevado ao patamar de grande herói e grande personagem, o que nunca foi em sua vida.

Uma nova geração de jovens poderia exigir algum tipo de mudança?

Não acredito. As pessoas estão cansadas, o jovens querem partir de Cuba. É um povo devastado. Não tiveram livros essenciais durante muitos anos, não leem. É um povo acabado por uma ditadura por seis décadas.

A eleição de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos terá algum efeito?

Até hoje, nenhum presidente americano fez alguma coisa. Trump deu declarações que me pareceram mais verdadeiras sobre a morte do tirano, pois foi o único que se atreveu a dizer o que Fidel realmente era, um ditador. Ele prometeu também à Brigada 2506 (associação de exilados ligados ao grupo que, em 1961, comandou a fracassada invasão à Baía dos Porcos) que se ocupará da liberdade de Cuba. Mas eu creio que são os cubanos que têm de se ocupar da liberdade de Cuba. E o problema dos cubanos é que o que eles querem é viajar. Foi vendida ao mundo uma grande heroína como Yoani Sánchez. Mas depois que deu a volta ao mundo e pôde publicar seus escritos na internet, já acabou Yoani Sánchez. Todos os dias nos vendem um novo herói ou heroína, mas quando recebem seus dólarezinhos, fazem seu blog na internet e suas viagens, se esquecem de Cuba. Eu mesma saí de Cuba, por imposição. Meus livros estão proibidos em Cuba. Hoje, estou proibida de retornar.



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Última actualización el Domingo, 04 de Diciembre de 2016 13:13