“Nacionalismo, comunismo: ainda estamos presos sob o jugo das ideologias do século XX” Imprimir
Escrito por Indicado en la materia   
Lunes, 27 de Noviembre de 2017 17:20

Foi o primeiro Nobel de Literatura chinês, em 2000. Recebeu a honraria quando já acumulava mais de uma década como exilado na França, onde se refugiou das perseguições do regime comunista chinês, que inicialmente reagiu ao prêmio com um sonoro silêncio, e depois com uma crítica duríssima.

Gao Xingjian em uma foto de arquivo

Hoje, Gao Xingjian não poderia estar mais longe da China, onde nasceu em 1940. Não gosta de falar daquele país onde cresceu e se tornou tradutor; do regime que o obrigou a queimar uma mala com todos os seus escritos e o enviou a um campo de reeducação para lavrar a terra. “A China já não é o meu país, é o meu país anterior. Há 30 anos não tenho nenhum contato com nada relacionado a ela. Não tenho um passaporte que me credite como cidadão do mundo, mas me considero um”, comenta o escritor, pintor e cineasta, que desde 1998 também tem a nacionalidade francesa.

 

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Como cidadão do mundo, o autor da A Montanha da Alma(Companhia das Letras), voraz leitor dos clássicos e audaz analista da história e da atualidade, alerta para a “profunda crise” que se instalou na sociedade ocidental. “Estamos presos sob o jugo das ideologias do século XX. E o verdadeiro problema é que essas ideologias viram dogmas que não resolvem os problemas. Tomemos como exemplo o marxismo, o comunismo, que se tornaram um pesadelo. Ou o fascismo e o nacionalismo, que têm efeitos brutais, como já vimos. Ideologias que, apesar de tudo, não foram derrotadas e que, como vimos, infelizmente não caducam. Também o imperialismo, que se volta para propostas políticas vazias, não tem um verdadeiro sentido”, afirma em Iasi (Romênia), onde participou do Festival de Literatura e Tradução (FILIT).

E essa desmemória, esse abraçar de dogmas caducos, contribui, afirma ele, para aprofundar a crise política, econômica e social que o mundo enfrenta na atualidade. O “declínio do Ocidente”, como descreve. “A democracia está se degradando e hoje enfrenta gravíssimos problemas”, adverte. “Não pode ser só uma simples apuração de votos, sem perspectiva, horizonte e futuro. E isso é o que acontece se deixamos os políticos manipularem a população para obter o poder do escrutínio. Isso não soluciona a crise econômica, a poluição, o terrorismo, o desemprego, a globalização.”

Veste-se quase sempre com roupas pretas. Seu luto, e também seu tom de voz suave e cadenciado, alimentam essa imagem de fragilidade na qual se instalou desde que, após ganhar o Nobel, caiu gravemente doente por causa da pressão e dos “compromissos” do prêmio. Mas Gao Xingjian não é tênue, nem muito menos sutil, quando se mostra “preocupado” com a expansão do populismo, com o avanço da extrema direita na Alemanhana França, com o impulso dos ultraconservadores nos Estados Unidos de Donald Trump. “Infelizmente, são essas ideias populistas as que triunfam hoje em dia. E podemos falar de extremismos de ambos os lados. A ideologia de extrema esquerda, que sempre conclamou a fazer a revolução e que ainda toma a revolução de Lênin como exemplo – algo que é estúpido, porque já se passaram 30 anos [desde a desintegração da URSS], e parece que ela se esquece de tudo o que aconteceu. E por outro lado estão os pujantes extremistas nacionalistas. Infelizmente, esquecemos que o fascismo nasceu desse nacionalismo extremo, que finalmente vira uma ditadura. Parece que deixamos de lado na nossa memória a História, o massacre dos judeus, todos os crimes cometidos. O verdadeiro problema da humanidade é que esquecemos nosso passado”, lamenta o escritor, que propõe lançar um verdadeiro debate sobre o devir da sociedade.

O autor, que muitos descrevem como um homem do Renascimento, por mergulhar e se sentir cômodo não só na escrita, mas também na fotografia, no cinema, no teatro e na pintura, clama por um novo “Renascimento social”. “Evito falar de revolução, porque se abusou do termo. Prefiro falar de renascimento. Embora não seja o mesmo que surgiu para sair da escuridão da Idade Média, trata-se, sim, do mesmo conceito: é preciso repensar tudo, uma nova motivação na indústria da tecnologia, da ciência, um novo pensamento com o foco e o interesse humanístico. Um renascimento que nada tem a ver com a religião, e sim com a essência humana”, propõe.

E nisso inclui também a cultura, que, ao se tornar “um produto da cultura do consumo”, não escapa da crise, segundo ele. Mas que papel deve desempenhar a literatura e a arte como um todo dentro desse renascimento? “A literatura não deve ficar enjaulada, deve ser independente. Os artistas, os escritores, com sua própria sabedoria, lucidez e consciência, mostram seu conhecimento da sociedade com suas próprias experiências e tocam a condição humana dos nossos dias. Devemos deixá-los testemunhar para despertar o espírito de outros, do público”.

EL PAIS; ESPANHA

Última actualización el Jueves, 30 de Noviembre de 2017 14:36