Campanha de Bolsonaro lança dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral Imprimir
Escrito por Indicado en la materia   
Domingo, 23 de Septiembre de 2018 00:58

No último domingo, em um leito do hospital Albert Einstein, em São Paulo, o candidato Jair Bolsonaro falou para 250 mil espectadores em uma transmissão ao vivo no Facebook.

Resultado de imagem para Campanha de Bolsonaro lança dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral

Na rede social, ponto forte da interlocução com seus eleitores, o capitão da reserva tem 6,3 milhões de seguidores. Com uma sonda no nariz, de camisola azul e aparentando cansaço, chorou, recitou um versículo da Bíblia e agradeceu, com voz trêmula, as manifestações de apoio à recuperação após a facada que levou em Juiz de Fora, Minas Gerais.



Ao falar da criação do PT, em 1980, durante a abertura política do regime instaurado pelo golpe de 1964, citou “um período que nos diziam que era ditadura militar”. Em seguida questionou se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando foi para a prisão em Curitiba, não teria motivações escusas. “Você aceitaria passivamente, bovinamente, ir para a cadeia? Você não tentaria uma fuga?” Segundo Bolsonaro, Lula não fugiu porque tem um plano B, que é fraudar as eleições.

“O PT descobriu o caminho para o poder, o voto eletrônico”, afirmou o candidato que lidera as pesquisas de intenção de voto. Para ele, a possibilidade de fraude nas urnas é real. “Na maioria dos seções (eleitorais) do Brasil, quem aparelhou o Tribunal Superior Eleitoral?”, questionou Bolsonaro, em meio a um acesso de tosse. Disse ainda: “Há um programa instalado nas urnas que poderia inserir, via fraude, uma média de 40 votos para o PT”. Não especificou que programa seria esse. Para ele, o voto impresso, dispensado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), seria a única forma de garantir a lisura do processo eleitoral.

As declarações do candidato do PSL assustaram. Elas despertaram a suspeita de que Bolsonaro considerará ilegítima uma vitória do candidato do PT, Fernando Haddad, numa disputa de segundo turno altamente polarizada entre os dois — a esta altura, a hipótese mais provável de acordo com as últimas pesquisas. As declarações podem ter sido apenas uma tentativa de instigar o medo nos eleitores que não querem a volta do PT e de acelerar um “voto útil”, para tentar liquidar a eleição no primeiro turno. Mas elas se somam a outras, dos cabeças de chapa da campanha do capitão, que apontam para um flerte com o autoritarismo.

Três dias antes, o general Antônio Hamilton Mourão, candidato a vice de Bolsonaro, defendeu que o país tenha uma nova Constituição sem a necessidade de ser feita por “eleitos pelo povo”. No 7 de setembro, em entrevista à GloboNews, Mourão defendeu um “autogolpe” em caso de anarquia, com atuação das Forças Armadas a ser modulada pelo presidente da República a partir de uma interpretação sobre o que é um estado de anarquia. Em julho, Bolsonaro propôs aumentar de 11 para 21 os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) — uma ideia que encaixa facilmente em qualquer regime autoritário.

A declaração de Bolsonaro que lançou a suspeita de fraude sobre as eleições foi imediatamente rechaçada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. “Tem gente que acredita em saci-pererê”, ironizou Toffoli, que lembrou que Bolsonaro foi eleito para o Congresso Nacional por meio do voto eletrônico — em cinco ocasiões diferentes. Desde o início do ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem reiterando que, em 22 anos de uso da urna eletrônica, nunca se constatou fraude.

Os programas são aperfeiçoados a cada eleição. A legislação eleitoral prevê que, a partir de seis meses antes do primeiro turno das eleições, os partidos políticos, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Ministério Público podem acompanhar as fases de especificação e desenvolvimento dos sistemas. Uma vez concluídos, os programas são assinados digitalmente pela presidente da Corte — a ministra Rosa Weber, neste ano — e por representantes dessas entidades. Essa cerimônia ocorreu em 6 de setembro, sem a presença de nenhum membro de partido político. Segundo a argumentação da Procuradoria-Geral da República, acatada em fevereiro deste ano no STF, apesar de aprovado no Congresso, o voto impresso diminuiria a segurança da eleição, gerando falhas e potencialmente expondo os eleitores.

“Não há nenhum caso de fraude comprovado. As pessoas são livres para expressar a própria opinião, mas, quando essa opinião é desconectada da realidade, nós temos de buscar os dados da realidade”, disse a presidente do TSE, Rosa Weber. A despeito desse apelo à racionalidade, uma pesquisa feita pelo núcleo da Fundação Getulio Vargas (FGV) que analisa o discurso em redes sociais encontrou 840 mil tuítes questionando a lisura do processo eleitoral. São usuários à esquerda, que afirmam que “eleição sem Lula é fraude”, e à direita, de apoiadores de Bolsonaro e afins que duvidam da efetividade da urna eletrônica. O pico do debate, com 205 mil tuítes sobre o assunto, ocorreu após a entrevista de Bolsonaro à GloboNews, em que ele afirmou não acreditar em pesquisas eleitorais.

A desconfiança com as urnas, porém, não começou com Bolsonaro. Leonel Brizola, líder do PDT, questionou o sistema em 2002, dizendo que ficava impossibilitada a recontagem. Em 2014, após a derrota de Aécio Neves para Dilma Rousseff, o PSDB questionou o resultado das eleições e pagou R$ 1 milhão por uma auditoria das urnas, que atestou a inexistência de fraude. Recentemente, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ex-presidente do PSDB Tasso Jereissati admitiu que questionar a eleição havia sido um dos grandes erros do partido. “Não é de nossa história e de nosso perfil. Não questionamos as instituições, respeitamos a democracia.”

Enquanto Jair Bolsonaro convalesce da facada e das cirurgias no sistema digestivo, as manifestações que suscitam o fantasma do autoritarismo têm tido como porta-voz o general Antônio Hamilton Mourão, filiado ao PRTB, partido de Levy Fidelix. Candidato a vice-presidente, Mourão tem patente superior à de Bolsonaro, o que contribui para que se sinta autorizado a dar declarações arrojadas, muitas vezes em franco conflito com o que pensa o cabeça de chapa.

A primeira rusga veio logo após o atentado, no início de setembro. Em uma reunião à qual compareceram Mourão, os generais Augusto Heleno Ribeiro e Oswaldo Ferreira e o próprio Fidelix, decidiu-se pedir uma consulta ao TSE sobre a possibilidade de Mourão substituir Bolsonaro nos debates enquanto ele estivesse no hospital. A família do capitão e os integrantes do PSL se sentiram traídos, e a ideia foi abandonada. Fidelix não tem representantes de seu partido eleitos no Congresso e, sempre que possível, aproveita deixas para tentar crescer.

Poucos dias antes, o vice de Bolsonaro declarara à GloboNews que, caso o país vivesse uma “anarquia”, seria possível que as Forças Armadas dessem um autogolpe, um golpe partindo de dentro do próprio governo. Mourão frisou que “em nenhum momento” pregou golpe militar, mas tanto ele quanto Bolsonaro admitem a hipótese de uma intervenção das Forças Armadas. As circunstâncias de “anarquia” em que as Forças Armadas poderiam intervir, porém, não estão claras. Soma-se a isso o fato de que, no entorno da campanha do capitão, formado por militares e civis, muitos argumentam que não houve ditadura militar no Brasil. Além disso, Mourão e Bolsonaro têm como ídolo o coronel Brilhante Ustra, reconhecido como torturador pela Justiça brasileira.

Procurado por ÉPOCA, Mourão disse que não é a favor de autogolpe. “O problema é que o entrevistador levou uma discussão hipotética até um ponto em que não tinha outra solução. A imagem é muito clara. Vamos supor que o Brasil é o Titanic e as Forças Armadas são a orquestra. O barco está afundando. As Forças Armadas vão continuar tocando e afundar junto?”, ponderou. Questionado sobre o que seria um barco afundando, o candidato a vice definiu a situação como um “conflito generalizado” e citou como exemplo a Revolução de 1930. Já em 1964, segundo ele, houve um contragolpe para evitar a instauração de um regime comunista. O general disse que o período “governado por militares” foi autoritário, mas não o chama de ditadura. Ainda afirmou que não defende um governo sem o Congresso. “A democracia pressupõe o império da lei, e a lei tem de valer para todos.” Segundo Mourão, os “instrumentos de exceção”, como o AI-5, não vão se repetir.

Para o historiador Daniel Aarão Reis, a convicção de que o regime militar não foi uma ditadura é uma consequência dos mecanismos de doutrinação do próprio regime, cujos efeitos perduram até hoje. “Antes de 1964, o ensino dos militares não era monolítico. Era plural, havia instrutores que pensavam diferente nas escolas. Mas houve um expurgo violento de quem simpatizava com o nacionalismo de esquerda. Por isso, essas instituições jamais reviram o fato de que houve uma ditadura no Brasil. Até hoje apresentam o golpe de 1964 como uma revolução democrática e jamais assumiram que houve tortura”, disse.

Os políticos próximos à campanha de Bolsonaro que estão disputando voto nas urnas compartilham a impressão, porém, de que falar em intervenção militar mais atrapalha do que ajuda. “O general precisa se concentrar mais na campanha do Bolsonaro e parar de dar essas declarações, que só têm atrapalhado”, disse o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), integrante da bancada da bala e aliado de Bolsonaro que disputa o governo do Distrito Federal. Carlos Manato, candidato a governador do Espírito Santo pelo PSL, afirmou que nunca viu Bolsonaro “tocar nesse assunto dessa forma” de Mourão, mas respeita o general e “fica na sua”.

Mourão não parou no “autogolpe”. Em Curitiba, afirmou que o Brasil precisa de uma nova Constituição, mais enxuta, elaborada por um “conselho de notáveis” e aprovada via referendo. “A Constituição não precisa ser feita por eleitos. Já tivemos vários tipos de Constituição que não passaram pelo Congresso eleito em períodos democráticos, como a de 1946”, disse. A única forma de alterar a Constituição hoje é por meio de uma Emenda Constitucional aprovada por três quintos dos deputados e senadores, em dois turnos de votação na Câmara e no Senado. A afirmação de Mourão estava incorreta, já que a Constituição de 1946 passou pelo Congresso. No evento, o general destacou que essa é sua opinião pessoal, não a da candidatura.

As opiniões espontâneas e individuais do vice ficaram evidentes quando, em uma palestra em São Paulo, na segunda-feira 17, pediu para “relevar” o que Bolsonaro dissera a respeito de urnas eletrônicas. “O homem quase morreu há uma semana, passou por duas cirurgias graves. O cara está fragilizado. Temos de relevar o que ele disse”, afirmou. Um dia depois, em outro evento, Mourão desmentiu um boato compartilhado por Carlos Bolsonaro, filho do capitão, de que os códigos de segurança das urnas eletrônicas haviam sido enviados para a Venezuela. “Isso aí é fake news, lógico.”

Ao lançar dúvidas sobre a urna eletrônica, Bolsonaro segue os passos do americano Donald Trump. Na disputa contra Hillary Clinton em 2016, Trump disse, antes da eleição, que a vitória da candidata democrata seria uma fraude. “Muitos americanos acreditam hoje que nossas eleições são fraudadas porque Trump disse isso e têm menos fé no sistema eleitoral do que tinham antes. Nos dois países, Brasil e Estados Unidos, não há prova alguma de que as eleições são fraudulentas. Na verdade, são bastante limpas”, disse o cientista político americano Steven Levitsky, autor de Como morrem as democracias.

Os candidatos populistas atraem dois tipos de eleitores, segundo Levitsky. Um deles é o que acredita em soluções de força e autoritárias. “Com certeza, há um contingente de pessoas no Brasil que acha que no tempo do regime militar era melhor e que o país deveria voltar a ser como antes.” Mas, a julgar pelo exemplo de Trump, a maioria vota por causa de um discurso contra o establishment. São eleitores descontentes com os políticos e com a maneira como o país é governado hoje e que sentem uma indignação inflamada pela crise econômica e por escândalos de corrupção. “O problema é que as pessoas que prometem soluções autoritárias geralmente cumprem. Então a pessoa vota na indignação e recebe o pacote completo”, afirmou Levitsky. “Esse discurso deve ser levado muito a sério. Não é papo eleitoral.”

Leia mais: https://epoca.globo.com/campanha-de-bolsonaro-lanca-duvidas-sobre-lisura-do-processo-eleitoral-23089196#ixzz5RsncEXiu
stest

 

Última actualización el Miércoles, 26 de Septiembre de 2018 05:31